sábado, 22 de janeiro de 2011

6 - Lusco-fusco

Na literatura sempre nos deparamos com o protagonista, ou o próprio escritor, que anda no anoitecer da cidade, caminhando entre as ruas quase vazias e as tavernas lotadas. Este ser procura os segredos que se ocultam no véu lunar, sejam aqueles dos obscuros cantos da pólis ou do observador que descobre a si mesmo na penumbra, ou no homem ébrio que capota na sargeta.

Faça a mesma experiência nas nossas terríveis metrópoles: veja se consegue atingir aquele estado de inspiração que suscita as divagações apaixonantes de um flâneur. Com todo o barulho caótico conseguirá no máximo uma enxaqueca, com sorte apenas um leve enjôo; o tédio é quase certeza.

Parece que as luzes da cidade, sejam elas materiais ou metafóricas, ofuscam todo um tipo de fruição solitária, típica do transeunte que habita nossas memórias literárias. O problema não é que a ágora mude, mas qual o tipo de reflexão que tem lugar no espaço da cidade depois destas mudanças. Ao invés de novos segredos para serem desvendados há um descortinamento de tudo. Nunca falta uma indicação, iluminação, uma placa explicando qual é o regulamento das gramíneas do jardim; para tudo há um rótulo e um catálogo.

Provavelmente devemos procurar outros campos de interesse, já que a cidade com todo seu exagero de sensações não nos deixe criar nenhum sentido. A condição de viver em sociedade assemelha-se a um fardo e não a uma experiência digna da curiosidade. Basta apenas correr para casa sem se concentrar no caminho pelas esquinas metropolitanas, nem olhar para o vazio do zênite, espelho da profundidade do homem pós-moderno.

Um comentário:

  1. Finalmente consegui deixar um comentário aqui, ainda que como anônima! (é a Fefona, a propósito).

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