quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

4 - Barbarismo

Há um hábito comum em associar uma sociedade violenta com o seu baixo desenvolvimento cultural, como se a educação fosse a panaceia da vivência humana. Quiçá tenha-se acreditado em demasia nesta máxima, como na emancipação antevista pela Escola de Frankfurt, como um exemplo dos inúmeros esforços intelectuais que viam (e vêem) na sua própria área de estudo uma salvação. Mas uma harpia dissonante do século antepassado já nos diz que esta relação pode ser bem diferente.
No livro Humano, Demasiado humano I Nietzsche fala num aforismo singular a relação entre a cultura e a guerra, o de número 477: É indispensável a guerra. Nele argumenta-se que é necessário para a cultura superior a prática da guerra, para que a primeira possa renovar seu espírito. Longe de mim resumir toda a profundidade do argumento de Nietzsche, mas me permito a liberdade de comentar livremente este aforismo.
Com um exercício de reflexão simples sobre a grande civilização antiga podemos tirar algumas conclusões. Os romanos sempre se referiram aos seus adversários como Bárbaros, desprovidos de um desenvolvimento cultural, mas nunca ao excessos de violências destes povos, pois em sua maioria eram mais pacíficos que o povo de Roma. Junto com a produção cultural romana também há o orgulho bélico de suas conquistas vitoriosas sobre outros povos. O orgulho tem um papel fundamental na noção que um povo tem de si, como a expressão máxima deste orgulho é o poema épico de Virgílio, a Enéida. E como argumenta no aforismo que estes procuravam substitutos para a guerra nos raros períodos de paz, como os jogos de gladiadores e a perseguição aos cristãos.
Estes substitutos são criticados por Nietzsche: estes não são capazes de desempenhar o papel da guerra, pois são apenas sombras que não terão o mesmo efeito para a cultura e a civilização avançada, que necessita deste evento para não perder sua identidade; é a queda na barbárie que evita o barbarismo da sociedade. O que eu posso concluir sucintamente é que espero que nossos novos substitutos, como a competição esportiva de alto nível e todo tipo de jogo (incluindo os jogos virtuais que ao meu ver possuem também este papel na sociedade) criado por esta civilização possam evitar a necessidade de uma guerra. Do contrário, é melhor que a cultura decaia do que se pague o alto preço para mantê-la, já que mais vale a ausência do saber que a presença dos corpos.

2 comentários:

  1. Muito bom o texto. Só não entendi a última frase: Não seria mais vale a ausência do saber do que a dos corpos (em vez de presença?) Ou mais vale a presença do saber do que a dos corpos?

    ResponderExcluir
  2. Obrigado pelo elogio. Fiz uma confusão, no lugar de "saber" melhor seria ter posto "cultura". Queria afirmar que não há desenvolvimento cultural que valha a morte de um ser humano, ou o esforço de um conflito.

    ResponderExcluir