quarta-feira, 1 de setembro de 2010

3 - Efígie

Hoje, ao apreciar o almoço numa companhia imprópria, a televisão, deparei com uma notícia que me incomodou, apesar de alguns anos de convivência com a humanidade. O fato inicia-se deste livro, o qual apenas folheei uma vez. Parece ter bons contos, inclusive uns dos melhores que já li, Amor de Clarice Lispector. Mas o aparente problema é com este conto: Obscenidades para uma dona-de-casa.

O jornal televisivo mostrava a indignação de pais que tiveram sua preciosa cria exposta a este conto virulento. As palavras chocavam estes protetores zelosos: como eles poderiam estudar com este tipo de código-de-conduta do canalha? Mas os indefesos filhotes estão no último ano do ensino médio, muitos a menos de um ano de serem considerados legalmente adultos. Acredito que se alguém tiver mais de treze anos completos, nenhum vocábulo chulo deste conto será novidade. Com dezessete anos a maioria será de fácil uso cotidiano, muito provavelmente na mesma escola que lhe distribuiu esta ode aos celerados. Acho muito plausível também que não esqueçamos da familiaridade destas palavras depois de envelhecermos trinta anos, o que torna difícil de entender a revolta dos pater familiae.

Toda a liberdade (como é adorável essa palavra desgastada) que adquiriu-se era para supor-se que falar de sexo num conto não seria ofensivo, mesmo para jovens. Abordar o assunto não-literalmente sempre foi um recurso belo de observar, mas este era necessário nos séculos anteriores. Sem mencionar que o conto é a forma literária que melhor se aproxima do cotidiano, que lhe permite usar as palavras "banidas" dos romances.

O que resta agora é queimar a efígie do autor, já que aprisionar os celerados teóricos não é mais viável. Enquanto os pais ensinam e os filhos aprendem a lição mais importante da sociedade saudável: a máscara.